quinta-feira, 6 de novembro de 2008

LIVRO DAS ILUSÕES

O "LIVRO DAS ILUSÕES" é resultado do curso de formação de escritores promovido pelo SESC Santa Catarina. Foi ministrado pelo escritor Carlos Schroeder que nos deu um norte a ser seguido no campo da literatura. O livro possue 17 contos e um deles é deste que lhes escreve. O Livro ainda não esta a disposição para o público, o projeto prevê que essa publicação não pode ser vendida, portanto será distribuida gratuitamente e estará a disposição nas bibliotecas do municipio e na biblioteca do SESC, além de estar com os autores para que estes possam distribuir. Mas para ler o meu conto não é preciso adquirir o livro, este vai de lambuja aqui no Bem Amargo. Vale a pena ler todo o livro, todos os participantes são muito talentosos. Parabéns a todos os escritores e ao SESC pela iniciativa.

AMOR DE VERDADE
No beco onde as prostitutas trabalhavam, ela se destacava não pela beleza, nem pela ousadia, mas pela experiência. Era a puta mais velha do beco, já havia sido presa, já havia matado um cara, tinha 45 anos de idade, 30 anos de profissão e incrivelmente era a vagabunda mais requisitada das ruas.
Em uma das janelas dos prédios que margeavam o beco, morava uma velha, que passava as noites a observar as putas, nunca andava na rua à noite, nem falava com ninguém, a velha simplesmente observava. Às vezes de madrugada, fazia anotações, desaparecia por instantes, depois voltava para a janela.
Uma noite quando ela chegou para trabalhar, viu a velha parada, no portão do prédio.
_Oi! Quanto você cobra por um programa?
_Hummm! Depende muito do cliente!
_ Sou eu, já estou há vinte anos sem sexo! Gosto de mulher! Sou lésbica, velha e solitária.
A prostituta achou aquela proposta muito estranha, 30 anos nas ruas nunca havia ouvido uma coisa como aquela. Aceitou o desafio e subiram para o apartamento no segundo andar. Os travestis ficaram de plantão no portão do prédio, os moradores da rua tinham uma briga diária com a prostituição do centro. Naquela noite a prostituta não atendeu ninguém.
Na noite seguinte, a velha prostituta chegou ao beco e quase não foi reconhecida, carregava uma mala e vestia uma roupa muito simples, no rosto nada de maquiagem, as unhas cortadas quase na soca, sem esmalte. Trazia pelo braço um rapagão de mais ou menos 16 anos.
_O que é isso mona? - Perguntou horrorizado um dos travestis.
_ É o amor! Encontrei minha cara metade. – E apontou para a velha que estava na janela.
_ Sei, agora vai viver de lesco-lesco com essa velha! E esse menino? Quem é?
_ Meu filho!
O garoto olhou gulosamente para o travesti.
O ar estava parado, a noite estava quente e úmida, o centro da cidade estava silencioso, um espírito desorientado pairava no beco como se a ordem natural das coisas estivesse sendo quebrada.
A prostituta e o menino subiram para o apartamento da velha lésbica.
A velha já havia tido uma companheira há muito tempo, viveram juntas por mais de 30 anos e com sua morte, ela mudou-se para o centro, desde então vem acompanhando o movimento das putas. Sua nova companheira se mudara para sua vida, não por amor, mas sim pelo dinheiro, a velha era muito rica.
A velha estava apaixonada, o amor invadiu seu corpo e sua mente. Passou a arrumar casa, a freqüentar a floricultura, a comprar roupas novas, tudo para deixar feliz sua nova companheira. Mas o jovem mancebo não era bem-vindo.
Uma noite, as duas se viram nuas, a velha com mais de 70 anos e a prostituta com mais de 40, contemplavam suas imagens em frente ao espelho. Aquela imagem dizia que a vida pode muitas coisas, o espelho mostrava uma beleza nunca vista por elas, o espelho tornou-se um bom companheiro. As mãos de ambas iniciaram uma viajem pelo corpo uma da outra, suas imagens refletidas buscavam as curvas, a pela enrugada, buscavam a beleza e a maciez de outros tempos. As duas fizeram amor de frente ao espelho, se admirando, e curtindo as curvas e as imperfeições da maturidade. Gozaram juntas, sim a velha e a prostituta gozaram. Há muito tempo nenhuma das duas sentia tal prazer, a velha por estar sozinha, a puta por transar somente por obrigação.
Os dias se passaram, a velha estava realmente apaixonada e a puta tendo a vida mansa e fácil que sempre quis, mas velha odiava aquele menino. Passou dias e dias pensando numa maneira de expulsar o guri daquela casa, ele ficava horas na rua flertando com os travestis, durante o dia mexa em tudo, fazia barulho, incomodava como incomoda um jovem de 16 anos. Numa noite de inverno a sopa estava pronta, o mancebo deveria comer primeiro, sempre comia e saia, voltava só como o raiar do dia. Nem sempre a velha e puta dormiam juntas, coisas de quem esta maduro de mais para dividir a cama e essa foi uma noite assim.
Na manha seguinte, ao chegar da rua, o tentar acordar a mãe, percebe que ela esta morta, corre desesperado pela casa, e aos gritos da a notícia:
_ Mamãe está morta! Mamãe esta morta!
A sopa era para menino, mas sua amante e companheira antecipou-se no jantar. A notícia de que a prostituta havia morrido na casa da velha abalou todo o centro nervoso da prostituição na cidade, seu velório fora luxuoso, a velha não economizou todos os travestis e prostituas da cidade estiveram presentes. A velha senhora não apareceu.
Na madrugada as putas e travestis do beco acompanharam com os olhos a velha sair do apartamento e tomar um taxi, ela foi até o cemitério, queria ver sua amante pela última vez. Subornou o coveiro e os vigias que desenterram o corpo. Abriram o caixão e a velha puta estava lá, linda, sorrindo como um anjo, sim, uma prostituta que virou anjo.
A noite havia ganhado um ar delicioso, o frio da cidade colocava um sentido naquilo, a velha senhora via o anjo deitado, e pensava em tudo o que havia passado, suas escolhas, seus princípios, tudo girava em sua mente, para aquela cidade ela era uma estranha, mas para a prostituta deitada no caixão, ela era alguém com quem fizera amor e contemplara sua maturidade em frente o espelho.
A velha entregou para o coveiro uma pequena sacola com todas as suas jóias, e pediu que em troca ele a enterrasse junto com a mulher. O sentimento da velha senhora era de fim da vida, não saberia mais viver só, e viver por viver não faria mais sentido aquela altura. O coveiro, homem sem escrúpulos, fez exatamente o que lhe foi solicitado. Sete palmos de terra depois, a velha senhora e a prostituta, ficaram juntas para sempre.
Em pouco tempo a velha senhora foi esquecida, a puta mais requisitada das ruas já era outra, a cidade girava sua roda sem preocupar-se com a ausência ou com a história dos transeuntes que escolheram suas ruas para viver.
No beco das putas, o jovem mancebo virou cafetão e hoje, aluga o apartamento da velha senhora para seus travestis.

1 comentários:

Anônimo disse...

Oi Robson

Concordo com voce!Realmente todos os contos são bem interessantes! Parabens a todos os escritores, ao Carlos e ao SESC!

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