quarta-feira, 14 de maio de 2008

ENXAQUECA

Ele tinha uma dor de cabeça muito forte, fez vários exames, foi a vários médicos e nenhum deles tinha explicação para tanto sofrimento. Aquela dor constante o privava de tudo, não saia para se divertir, não tinha amigos, não tinha mulher, trabalho e nem projetos para o futuro, a dor de cabeça era tudo o que ele tinha.
Uma noite sem conseguir dormir, resolveu sair e caminhar pelas ruas, talvez encontrasse alguma coisa que parasse sua dor, mas tudo o que encontrou foi a cidade decadente com mendigos, crianças de rua, prostituas e travestis. Negros e mulatos, brancos e pardos, todos iguais fazendo o coração pulsante da cidade funcionar. Sua cabeça parecia explodir num pulsar sem fim.
Sua dor era maior do que a vontade de viver, então resolveu que seria mais fácil acabar com aquele sofrimento de uma vez, iria até a ponte, pularia na água fedorenta do rio e a dor seria extinta, seu cadáver ficaria lá no meio da merda e sujeira das águas poluídas do rio que corta o centro da cidade.
Caminhava lentamente, não tinha pressa, normalmente a morte é paciente, a cidade o perdoaria, as pessoas da cidade o perdoariam, é fácil perdoar um suicida. Mas no meio do caminho, ele ouviu gritos desesperados, um sentimento instintivo invadiu seu corpo, correu para ver o que acontecia e no beco atrás do mercado público, dois mendigos estupravam uma menina. Ele ficou apenas olhando escondido na quina da parede, não teve coragem de fazer nada, eles eram dois e ele nunca tinha lutado na vida, além do mais a dor de cabeça estava mais forte do que nunca.
De repente, a menina parou de gritar, os mendigos ainda fizeram alguma graça, riram alto, guspiram no corpo ensangüentado e saíram caminhando lentamente como se aquilo fosse coisa comum, no caminho cruzaram com ele, o olharam bem dentro dos olhos e foram embora, ele entrou no beco, o cheiro de peixe que vinha do mercado se confundia como o cheiro podre do rio. Quando se aproximou viu que a menina era uma das crianças que vendiam chiclete no farol da esquina de sua casa, não tinha mais que nove anos de idade, agora aquela criança estava morta, com a roupa rasgada e coberta de sangue, jogada no beco entre os ratos atrás do mercado público.
Ele estava decidido a acabar com sua dor de cabeça, iria morrer aquela noite. Mas estava de pé em frente ao corpo de uma criança que havia sido estuprada e morta, a imagem dos dois mendigos não lhe saia da cabeça, ele nunca havia feito nada de bom em toda sua vida, deixou a menina e voltou para casa, pularia da ponte outro dia.
Passou várias noites procurando os dois estupradores e cada minuto a mais que ele insistia em viver a sua dor de cabeça aumentava, nenhum analgésico fazia efeito e naquela noite desistiu de procurar, não agüentava mais o pulsar de sua dor, estava se sentindo um fracassado, pois iria morrer sem dignidade e sem honra. O projeto era o mesmo, pular no rio, mas no caminho ele viu os dois mendigos dormindo bêbados ao lado da ponte no canto do beco. Poderia então acabar com eles antes do fim, mas como matar os dois ao mesmo tempo?
Caminhou rápido na direção do posto de gasolina, comprou um galão, um isqueiro e um maço de cigarros, aproximou-se da ponte e os dois ainda dormiam, na sua mente a imagem da menina morta e estuprada. Um sentimento de alivio deixava um gosto bom em sua boca, iria matar aqueles dois e em seguida, acabar com sua dor.
Bem devagar amarrou os pés dos dois com um arame, derramou lentamente toda a gasolina e jogou seu isqueiro aceso, ouvia-se de longe os gritos com pedidos de socorro, mas a cidade era indiferente a esses pedidos constantes. Tentaram correr e caíram em seguida, gritaram muito, mas logo estavam mortos e o silencio de suas vozes era uma melodia maravilhosa. Aproximou-se dos dois imóveis em chamas, pegou seu cigarro, abaixou-se e acendeu num dos corpos carbonizados, mas antes da primeira tragada sentiu que a dor de cabeça havia sumido, fumou tranquilamente enquanto o fogo terminava seu trabalho. Foi embora e dormiu como há muito tempo não conseguia dormir, desistiu do suicido, pois havia encontrado um analgésico potente para acabar com sua dor de cabeça.

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