segunda-feira, 12 de maio de 2008

A CASA DA FRENTE.

A intolerância e a violência são duas estradas que levam para o mesmo destino.
Ele morava numa das casas mais bonitas do bairro, durante anos lutou para preservar a moral e os bons costumes do lugar. Seus filhos formaram-se com louvor no colégio católico da cidade, sua mulher era voluntária na igreja aonde todos os domingos iam à missa, sua família era um exemplo cristão a ser seguido.
Um de seus vizinhos mudou-se e pelo jornal, colocou a casa a venda. Numa manhã de sábado chegou o caminhão com a mudança dos novos vizinhos, em pouquíssimo tempo a casa já estava montada e em poucas semanas o jardim estava florido, a casa pintada e o telhado reformado. Aquela se tornou a casa mais bonita da rua. Mas ele achava que havia algo esquisito, porque não via mais ninguém além dos dois irmãos que moravam juntos e achava estranho o fato de os dois não conversarem com ninguém da rua. Os novos vizinhos tinham muitos amigos, a casa estava sempre cheia de moças e rapazes, mas na rua ainda não tinham sido apresentados.
Então ele decidiu! Iria até lá dar boas vindas. No domingo ao voltar da missa, pegou a mulher pelo braço e atravessou a rua, bateu, ninguém veio atender, abriu o portão e foi entrando, ao chegar à porta da cozinha, uma cena incrível, os dois rapazes estavam agarrados num beijo cinematográfico, eles não eram irmãos e sim namorados.
Num impulso saiu correndo, pegou a mulher pela mão e foi embora fazendo o sinal da cruz e praguejando como se tivesse visto o próprio diabo.
Reuniu seus amigos na associação de moradores para discutir o caso, falou do beijo que ele viu, falou das visitas de moças e rapazes que entravam e saiam daquela casa, falou do que ele imaginava que acontecia lá dentro: Festas e orgias homossexuais, drogas de todos os tipos, talvez até pedofilia, já que freqüentemente ele via crianças na casa.
Os membros da associação de moradores ouviram atentos e foram unânimes: Drogas se existem é coisa de policia assim como a pedofilia, mas o fato de eles serem gays não os impede de morar no bairro e que nada podiam fazer senão lhes acolher na vizinhança, afinal de contas, o jardim deles era o mais bonito do bairro.
Ele não conseguia entender aquela decisão de seus amigos, todos eles eram cristãos e deveriam saber que aquilo era coisa do diabo e como bons cristãos, tinham a obrigação de tomar uma atitude para expulsar os dois dali. Então depois de muito pensar e analisar a casa dos vizinhos resolveu assumir a responsabilidade.
Os vizinhos, nem imaginavam da conspiração homo fóbica que se dava na garagem da casa em frente, continuaram a viver suas vidas sem nenhuma preocupação, um deles era professor de história e outro músico, estavam felizes fazendo projetos para a casa nova.
O plano era simples, entrar na casa de madrugada e deixar a bomba na porta da cozinha, alguns minutos depois a casa e o casal iriam para o espaço. Pensou em muitas formas de eliminar os dois, mas queria que aqueles servissem de exemplo, não se pode admitir tal coisa num bairro de família.
Ele não contou seu plano a ninguém, fez ele mesmo a bomba com uma receita extraída da internet, o site garantia uma explosão que abriria um buraco de dez metros de profundidade e quinze de diâmetro, pela medida e pela distância aproximada a sua casa estaria livre do impacto causado por ela. Depois ele seria a primeira pessoa a chegar, e poderia acusar os dois do que quer que seja pois pelo fato de serem homossexuais, com certeza a sociedade os culparia pela explosão levando o caso para a mídia, ele daria entrevistas na televisão, teria seu rosto nos jornais de todo o país, sem contar o fato de que a bomba iria destruir aquele jardim, retornando para ele o título de o jardim mais bonito do bairro.
Chegou a grande noite, eram cinco da manhã na madrugada de sexta para sábado, seus netos e sua filha mais velha estavam passando a noite ali, isso seria ótimo, pois a filha o ajudaria a culpar os dois hereges.
A bomba estava pronta, na garagem ele repassou mentalmente o plano, já estava com celular no bolso para chamar os bombeiros, a polícia e a imprensa, mas na saída da porta da garagem escutou um barulho estranho vindo da bomba, aproximou o seu ouvido no explosivo, e numa atitude de extrema prudência decidiu transferir seu ato terrorista para outro dia depois de verificar o que estava de errado na bomba. Deixou o artefato no canto da garagem coberto por uma lona, e da porta da cozinha ele sentiu o calor em suas costas. O barulho da explosão acordou toda a vizinhança que viu a casa destruída, uma cratera formada e pedaços de gente morta espalhados pela rua.
Os rapazes da casa da frente acordaram desesperados, a casa deles havia sofrido com os estilhaços, todas as janelas quebraram, mas eles nada sofreram. Nas casas vizinhas muitas pessoas foram feridas pelos estilhaços e os rapazes foram os primeiros a socorrer as vitimas com ferimentos e a chamar os bombeiros. Na vizinhança só alguns ferimentos leves e o susto, mas a família do intolerante cristão estava espalhada pela rua em muitos pedaços de carne morta.
Depois do acontecido, os rapazes da casa da frente resolveram se mudar, aquele bairro perdeu a tranquilidade e o ar familiar que eles procuravam.

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