quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O JANTAR

_ Mãe, eu queria falar uma coisa pra senhora!
_Diga filha, o que foi?
_Estou grávida.


Depois desse dia, a vida dela virou um inferno, Aninha disse pra todo mundo que o pai da criança era um rapaz com quem ela havia saído uma só vez. Ela vivia cercada de olhares inquisidores que mantinham a menina numa redoma de desprezo.

_Mãe, acabei de voltar do médico, preciso te contar uma coisa.
_O quê? Vai perder a criança?
_Não mamãe, eu estou grávida de gêmeos!

A notícia veio como um tufão, teriam dois bastardos na família. Para evitar os constrangimentos públicos, Aninha foi levada para o sítio da família e deixou apenas o caseiro para cuidar da menina, ela era levada regularmente ao médico, fazia sua própria comida, caminhava pelo sítio, mas não encontrava ninguém, Aninha estava completamente só.
No dia do parto foi tudo muito rápido, o caseiro levou a menina para o hospital, parto normal com as dores normais e logo em seguida dois meninos bem saudáveis ganhavam mundo. A mãe de Aninha ficou pouco mais de quinze minutos no hospital, depois foi embora. No sítio estava uma enfermeira que cuidaria dela até que ela estivesse recuperada. O dinheiro da mãe solucionava tudo sempre.
Os dois meninos cresceram ali, tinham apenas um ao outro, nos primeiros anos os meninos pareciam ser crianças normais, porém logo perceberam que havia algo de errado, eles não falavam, não corriam, choravam muito pouco e muito baixo. Os dois, sempre vestidos com roupas iguais, passavam horas do dia na varanda olhando para rua onde nunca passava ninguém. Aninha renegou o dinheiro da mãe que jurou nunca mais ver a filha e os dois bastardos.
A família alimentava uma certeza absoluta que os dois tinham algum tipo de deficiência mental, Aninha entendia os filhos e sabia que eles não tinham nenhuma deficiência, apenas enxergavam o mundo de outra maneira, então ela decidiu ensinar os filhos a serem independentes.
Naquela manhã, Aninha levou os meninos ao galinheiro, a lição era simples, escolher uma galinha, depois como fazia para cortar o pescoço, depenar, limpar, temperar e assar. O Forno a lenha do sítio era bem grande.
Alguns dias depois foi o porco, era preciso mais que boa vontade para matar um porco, seria também um aprendizado para Aninha. Mas eles conseguiram, aninha enfiou a faca bem no coração do bicho que gritava e esperneava, e no momento exato da facada, aninha pela primeira vez viu seus filhos sorrindo. Ela ficou feliz com o sorriso dos filhos, e aquele foi um dia de muita alegria entre as poças de sangue do porco e a preparação do jantar, pela primeira vez ela viu seus filhos sorrindo. Aninha dormiu com a absoluta certeza de que eles nunca passariam fome nesta vida.
Os meninos de 10 anos eram muito independentes, nunca haviam saído do sítio, não tinham televisão nem rádio, viviam no sítio e para o sítio, lavavam suas próprias roupas, matavam e preparavam sua própria comida, Aninha adorava matar os bichos com os filhos, era o único momento em que eles sorriam.
Um dia a mãe de aninha resolveu visitar o sítio. Haviam se passado dez anos que a mãe de Aninha não enviava dinheiro e que os três viviam lá sozinhos recebendo apenas a visita do caseiro que vinha uma vez por mês. A mãe de Aninha ficou impressionada com a limpeza da casa, de como o sítio estava organizado e de como seus netos estavam lindos.

_Filha, vim pra te pedir perdão!
_Não há o que perdoar mamãe, amo muito você!
_Posso te fazer um pedido?
_Clara, qualquer coisa.
_Quero ficar sozinha com meus netos, quero poder ficar um tempo sozinha com os dois, quero conquistá-los.

Aninha foi para cidade com o caseiro, e antes de sair deixou instruções muito claras para que os filhos preparassem um jantar espetacular para sua avó. Naquela tarde então, os meninos mataram uma galinha, temperaram e assaram no forno a lenha. Naquela noite no meio do jantar, caiu uma tempestade que arrasou tudo, derrubou barreiras nas estradas e isolou o sítio. O vento forte destruiu o galinheiro e o chiqueiro, todos os animais haviam fugido.
A avó dos meninos tentou andar pela região, buscar ajuda, mas não havia ninguém. Duas semanas depois aninha conseguiu chegar ao sítio, quando passou pela cancela viu os meninos sentados na varanda, ao verem a mãe não expressaram nenhum sorriso, nenhum sentimento. Ela abraçou os filhos e chorou de felicidade, nada no mundo era mais importante que os filhos.

_ Meninos, onde está a avó de vocês?

Sem mexer a cabeça, compltamente calados e sem expressar enhum sentimento, os meninos apontaram para a cozinha. Da varanda ela viu os estragos feitos pela tempestade, não havia mais chiqueiro, nem galinhas. Aninha entrou e ficou feliz ao ver alguns pedaços de carne temperados encima pia, os meninos estavam preparando o jantar, ela os havia ensinado muito bem. Atravessou a casa e foi para o quintal, procurou a mãe em todos os lugares, a noite estava caindo e não havia energia elétrica, era preciso entrar.
Na cozinha, viu os meninos colocando a carne no forno, viu as roupas da mãe jogadas no mesmo lugar onde costumavam jogar as penas das galinhas, caminhou lentamente para o forno e entendeu que aquela era sua mãe, morta e temperada para o jantar. Os meninos que aprenderam a matar para comer, nunca passariam fome nesta vida.



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