quinta-feira, 23 de outubro de 2008

EU SÓ QUERO FAZER UM FILME!

O seu último filme havia sido um fracasso de crítica e de público, ele estava se sentindo derrotado, seus amigos sumiram, sua mulher o deixou, seu apartamento estava indo a leilão pela falta de pagamento das prestações da Caixa Econômica. Ele havia apostado tudo no filme, fez empréstimos bancários, pegou grana com agiotas, alugou equipamentos e câmeras de ponta, empenhou o carro para fazer as cópias e a distribuição, mas o filme era mesmo um horror, um fracasso que não se definia em linguagem, enredo e fotografia.
Nas últimas semanas ele era visto caminhando solitário pelas ruas do centro velho, sempre bêbado caído pelas calçadas, barbudo, magro e esfarrapado, nos momentos de delírio, subia no banco da praça e gritava: Eu só queria fazer um filme!
Ele estava se sentindo um lixo, havia desistido de tudo, sua maior derrota havia sido contra ele mesmo, numa manhã em um momento de lucidez resolver pedir ajuda , tomou banho, fez a barba, colocou um terno, engraxou os sapatos e foi procurar um produtor famoso que ele havia ajudado no inicio da carreira e que hoje fazia sucesso, queria só um emprego, talvez fazer alguma assistência de direção ou fotografia de alguma produção e que ele pudesse trabalhar para sair do buraco. No caminho parou para olhar as vitrines, na televisão todos os canais falavam de um seqüestro, todas as atenções estavam voltadas para aquela cena, policiais e pessoas comuns estavam fazendo sucesso pelo fato e não pela idéia, a imprensa odeia as pessoas que pensam. Pensar na nossa sociedade é tão irrelevante quanto fazer um filme.
A cena do seqüestro não lhe saia da cabeça então ele teve uma idéia genial, criou caminhando na rua o mais gigantesco de todos os roteiros, pensou na luz, na fotografia e na midia, ele iria fazer a maior de todas as obras cinematográficas. Pegou um ônibus, entrou na favela e comprou uma arma.
Entrou na produtora e foi recebido pelo produtor, falou da idéia, mostrou o seqüestro na televisão, e tentou convencer o velho amigo de seu roteiro seria um sucesso de público e crítica.
Um silêncio sombrio tomou conta do ambiente, depois de alguns segundos, ele abriu a porta da sala do produtor, deu um tiro para cima e gritou: Eu só quero fazer um filme, ou essa produtora de merda me financia ou eu mato esse filho da puta. O produtor estava amarrado na cadeira e amordaçado o cineasta estava armado e furioso, em poucos minutos a polícia estava no local, a imprensa já divulgava o caso, imagens do interior do escritório não haviam, mas as imagens do cineasta seqüestrador e do produtor refém estavam a todo momento na televisão.
A polícia estava louca para entrar e dar fim naquela confusão, mas o cara era famoso, recentemente havia feito um filme, o cara tinha uma história, não podiam simplesmente entrar atirando.
Ele mandou evacuarem o prédio, queria ficar sozinho com refém, deixou claro que não tinha nada a perder e que se alguém se aproximasse ele mataria o produtor. Nas primeiras três horas o terror e a confusão estavam instaurados, todos os amigos do cineasta davam depoimentos sobre ele, atores e atrizes falavam sobre sua paciência e criatividade no set de filmagens.
No segundo dia, a policia desligou a luz, cortaram a água e as negociações envolviam grana do ministério da cultura, um estúdio para fazer seu próximo filme e a presença daquela atriz famosa para fazer a protagonista, se tudo isso não estivesse garantido ele iria matar o refém e cometer suicídio.
No quarto dia estavam na porta do escritório toda a força policial da cidade, jornalistas dos principais órgãos de imprensa do país e representantes de jornais dos Estados Unidos e Europa, a notícia do cineasta seqüestrador estava vendendo muito.
No quinto dia ele já estava exausto, na porta do prédio estavam todas as pessoas que havia solicitado, atores, atrizes, diretores de arte e fotografia, operadores de áudio e vídeo, além de representantes do ministério da cultura. Estava decidido, sairia e faria seu filme, com roteiro imaginado por ele, ganharia dinheiro e notoriedade no meio intelectual, tudo o que ele queria era ser respeitado enquanto artista, mas antes que libertasse o produtor, a polícia invadiu, entrou atirando ferindo o produtor e matando o cineasta seqüestrador, que caiu em câmera lenta, deixando seu corpo exposto no tapete da sala.
Alguns meses depois o filme produzido, dirigido e estrelado pelo refém trazia cenas do circuito interno da produtora, imagens da imprensa e policiais que participaram da operação no elenco, o trabalho foi um sucesso de crítica e público. Ele morreu sem ver nada disso, ficou famoso como queria e morreu feliz, pois tudo o que ele queria era fazer um filme de sucesso.

1 comentários:

Anônimo disse...

BIZAROO...
ME DEU UM GOSTO AMARGO NA BOCA...RSRRS

Ş