sexta-feira, 16 de maio de 2008

MUITO FELIZ

A condição da vida de cada um pode estar ligada a uma grande missão na terra ou simplesmente é uma questão de sorte.
Ela caminha lentamente na subida da ladeira, anda com aquele ar de superioridade que somente os que vivem de forma leve e tranqüila conseguem ter. Na mão direita leva um saco de linhagem, seus passos leves parecem flutuar. Chegou ao alto da ladeira e avistou os outros que já estavam na lida tentando achar o que comer no lixão. Desceu calmamente e por ela passou um dos muitos caminhões que trazem o lixo da cidade.
Ela já sabia de onde vinha cada caminhão e quem era o motorista, escolhia os caminhões que traziam o lixo das casas ricas dos bairros nobres e do centro da cidade. O caminhão despejou e ela estava com sorte, já de cara encontrou alguns tomates e umas batatas, numa sacola ela encontrou cinco pães murchos que ainda não tinham ficado muito duros, como uma pessoa poderia jogar fora um pão?
Ela não tinha medo de doenças, desde criança brincava naquele lugar, nunca aprendeu a ler, mas gostava de ficar olhando as letras nos rótulos das latas e nas embalagens das coisas, ela adora as quintas feiras, pois sempre encontra alguma caixa com restos de pizza, acho que quarta feira as pessoas ricas só comem isso.
Longe, do outro lado do lixão chegou o caminhão mais esperado por ela, o que vinha do centro, nele sempre tinha roupas e brinquedos, ela queria uma boneca pra filha, no trecho até o caminhão ela encontrou os cães, a única coisa que metia medo nela eram os cachorros que comiam de tudo, inclusive gente se fosse preciso.
Fez um longo desvio, e pelo caminho foi arrecadando alimentos para a família, batatas, repolho, tomates. Encontrou uma marmita fechada com arroz e feijão, e ficou triste de não encontrar nenhuma pizza, mas também, nem era quinta feira. Viu na mão de um homem que ainda não havia encontrado nada de comer, uma boneca nova que quase nem foi brincada pela menininha loira que há ganhou no natal passado. Negociou a boneca em troca dos pães, iria fazer a filha feliz, alimentar o espírito também é preciso.
O depósito de lixo é seu trabalho, precisa sustentar e educar os filhos comendo e vestindo o que encontra ali, todos os dias são exatamente iguais, ela carrega no rosto uma felicidade que eu não encontro em mais ninguém, como ela consegue?
A noite quando chega em casa, o marido volta da rua, eles conversam, jantam juntos, alimentam os filhos e antes de dormir fazem amor.

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